sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sagaz

Certa vez foi falado que o melhor aprendizado é aquele aprendido na vivência, porém um jovem que afirma ser sagaz conta que aprende com as vivências alheias além das suas, pois para ser sábio precisaria de muito e era certo que não haveria tempo hábil para tanto aprender somente por suas próprias experiências. Ele nunca precisou encostar num espinho para conhecer a dor, pois se, de antemão, percebe que as rosas tem espinhos, um homem sagaz só sente seu perfume de pertinho, sem tocá-la.


Um dia aquele jovem leu sobre a tristeza e as lágrimas, algo descrito como a tentativa de colocar para fora um determinado sentimento, lavar a alma de algum mal. Achou poético, mas teve a ideia de usar água de cheiro quando precisasse lavar sua alma, água de cheiro feita das pétalas daquela rosa que conhecera numa outra leitura. Ponderava que era trabalhoso demais para seu corpo passar por todo aquele processo complexo de expelir água pelos olhos, além do que a sensação contada nos escritos que leu não era das mais agradáveis de se ter, por outro lado o perfume das rosas parecia lhe agradar e até seria prazerosa a atividade de colher pétalas, misturar à água e banhar-se nela. Tomou nota então.


Em determinada manhã leu sobre o mar, coisa que jamais havia olhado a não ser pelas gravuras das páginas, contava que era profundo, azul cintilante, imenso e lindo (em dias de sol brilhante), mas em dias cor de cinza era cinza, cintilante e medonho. Em dias claros, entretanto, era muito bom de se ver, molhar os pés e talvez até arriscar um mergulho, mas o mergulho somente era seguro se já se julgasse conhecedor daquele mar, achando prudente dar um voto de confiança, afinal, o mar tem ondas e pode derrubar uma pessoa. E também outra coisa: deveria haver alguma admiração dele por aquelas águas, para valer o risco. Do contrário não valeria a pena. Aconselhava em conjunto que só se mergulhasse depois que, adentrando o mar, a água chegasse, pelo menos, à altura de seu umbigo, eis que mergulhando no raso corria o risco de dar com a testa no chão e quebrar a cara, literalmente. Era lógico, concordou.

Em outra oportunidade o jovem aspirante a sábio procurou um livro que lhe falasse sobre o amor. Logo nas primeiras linhas leu a seguinte frase: "Na brevidade de um amor latente, felizardo é o ser por ele acometido."

Brevidade? Latente? Já havia escutado que o amor era eterno, isso era contraditório. Latente até poderia ser, mas se era breve como poderia chamar de amor? Após a leitura de algumas outras páginas que se seguiram ele pode compreender que, em apertada síntese, amor é mais ou menos querer bem a um ser sem dele carecer ou esperar recompensa. Lhe pareceu justa essa definição. 


Refletindo, chegou a conclusão de que o tal amor breve e latente não era, de fato, amor e que se enquadrava melhor na definição de paixão, que conhecera através de um homem que lhe contou sobre uma certa pintura que fez. Não julgou importante ponderar qual dos dois era o melhor: amor ou paixão, tendo compreendido que eram simplesmente diferentes. A paixão, fugaz e efêmera, arranca suspiros, deixa saudades; o amor, por sua vez, é longo, suave e zeloso, sim, é menos arrebatador, mas cabe nele tanta compreensão!

(...)

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